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Meu medo da morte ficou insuportável

Ilustração: @pini.arte A morte é uma grandíssima filha da puta.  Traiçoeira, sorrateira, é uma serpente que ataca sem avisar.  Me recuso a morrer. Não quero, não posso, não aceito.  A coisa vai ficando boa e enquanto vai ficando boa você perde a agilidade, a coragem, a beleza. Não é justo. Você finalmente compreende a marcha e o motor já está prestes a fundir. Ou então é o carro que explode em uma curva da estrada precocemente, sem avisar.  São muitas as coisas pelas quais vale a pena viver. O amor. O sexo. Os filhos. O disco novo do Caetano. O filme novo do Almodóvar. O livro de contos do Chico. A beleza lá fora. A estranheza dos dias nublados.  Até mesmo o envelhecer faz valer a pena. O único lado negativo de envelhecer é se saber cada vez mais próximo da morte. E a morte não vale a pena.  Sim, queria ser eterno porque sempre haverão amores. E gente legal fazendo bons filmes, escrevendo bons livros e dizendo coisas importantes. E não quero perder nada disso. Quero engolir cada
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Há Poucos Dias Era Carnaval

Há poucos dias era Carnaval. E juro que pude ouvir um bloco como se passasse bem aqui na minha rua. A batucada, os risos, a cantoria e até mesmo o calor pareciam estar ali. Fazia calor apesar do frio de quase -30, apesar da paisagem sem cor, apesar do pesar. Corri para a janela e duas senhoras caminhavam na rua de frente, com casacos para o frio de -30 e máscaras de carnaval tampando as faces. Mas não havia bloco nenhum. Não havia batucada. Nem risos. Nem cantoria. Muito menos calor. As duas senhoras e uma coincidência que não poderia só ser. Era Carnaval. E eu juro que prestando atenção era possível de se ouvir a festa. A saudade que me trouxe. O Carnaval passou. Os blocos passaram. Na minha Timeline vi os peitos desnudos da Maria Casadevall passando. No lugar da roupa, a frase “Ele Não”. Não era só a nudez. Era mais. Eu tinha um tanto pra dizer sobre isso porém me calo. “Homem-branco-hétero” é o que me define e tenho que respeitar que nem todos são meus lugares de fala. Não quero o

Olhar nos Olhos

Acho bonito o olhar nos olhos Quando os olhos não se desgrudam Há algo assim que meio que amarra Mesmo invisível Há uma coisa assim que meio que prende Mesmo incompreensível Acho bonito o olhar nos olhos Quando os olhos ignoram todo o resto Afinal todo o resto é pouco Acho bonito o olhar nos olhos Os olhos fechados contemplam o sonho Os olhos mirando outros olhos Se transformam no próprio sonho Acho bonito o olhar nos olhos Antes do sexo, o beijo Antes do beijo, o olhar O olhar nos olhos, portanto É o primeiro entrar no outro O olhar nos olhos É o primeiro gesto de amar.

Sobre Copa do Mundo e Prêmio Nobel

Provavelmente você recebeu um dos memes do momento, que diz: “A seleção do Canadá não conseguiu se classificar para a Copa do Mundo. (Os canadenses) Terão que se contentar com seus vinte e três prêmios Nobel e em ter um dos níveis mais elevados de qualidade de vida. Coitados... Devem estar com inveja de nós, brasileiros!”. Não é preciso explicar que trata-se de ironia e que a mensagem transmitida é a de que futebol é algo menor quando comparado ao prêmio Nobel e a questões sociais como a qualidade de vida, e que o Brasil está tão focado no esporte que deixa essas outras questões de lado. Perdão pelo termo, mas trata-se de uma descomunal bobagem. O argumento (se é que podemos chamar assim) de quem o criou é totalmente oportunista e desonesto. O Canadá realmente não se classificou para a Copa do Mundo, é verdade. Mas é por não ter tradição nenhuma no futebol. O país participou somente de uma Copa, a de 1986, no México. Jogou três partidas e perdeu as três. Ou seja, desempenho be

Poema - Quero Voltar

Quero voltar ao útero de minha mãe Voltar àquela espera do nascer Porém sem nunca chegar a nascer Àquele viver sem de fato estar vivendo Quero voltar ao útero de minha mãe E lá permanecer todo encolhido em um colo do avesso E infinito Ouvir minha mãe cantarolar Sentir o carinho em sua barriga E permanecer alheio a toda hostilidade Protegido pela carne Quero voltar ao útero de minha mãe Afinal qualquer mundo é pouco Quando se deixa o paraíso Penso agora que O berro ao nascer não é em vão É de desespero por saber Que não podemos desnascer Mas será que é isso mesmo? Será que a morte no fim não nos leva de volta Para o lugar de onde viemos? Pensa como seria bonito se morrer fosse isso: Voltar ao útero de sua mãe Assim a vida faria muito mais sentido E eu não mais temeria a morte.

É Pecado Ainda Gostar de Woody Allen?

Extremistas de plantão e justiceiros sociais em geral hão de erguer seus braços em protestos contra mim. Parentes e amigos hão de me bloquear nas redes sociais. Cogito até que ocorra uma demissão. A minha, no caso. Mesmo assim, assumindo todas essas possíveis consequências, farei a declaração a seguir: - Assistirei ao mais recente filme do Woody Allen. Pronto. Aposto que um basto número de leitores acaba de abandonar o texto para procurar algo mais útil a se fazer, como falar mal de indolentes blogueiros na internet, a começar por este que vos escreve. Mas sim, afirmo estoicamente que assistirei também ao próximo filme que Woody Allen fizer. Além disso, estou cogitando reservar um tempo livre para rever toda a sua filmografia. Se você é um leitor menos radical e decidiu por percorrer seus olhos até essas mal traçadas findarem, explico abaixo minhas razões. Não vou mentir. A polêmica em voga nos últimos dias envolvendo o diretor me afetou. Sempre fui fã de Woody Allen e, quando

O Dia Em Que Topei Com João Gilberto Em Calgary

  Ler em Português        Read in English Dia desses resolvi dar uma volta por alguns lugares que ainda não conhecia em Calgary. Escolhi primeiro caminhar por Inglewood, o bairro mais antigo da cidade. Lá fica a atual Ninth Avenue, que foi por algum tempo a principal avenida daqui. Hoje é uma região cheia de lojas e galerias de arte, artesanato e antiguidades. Além de já ter sido definida como o centro da música local por conta de seus bares e restaurantes e os festivais promovidos ao longo do ano. Em resumo, lugar interessantíssimo para um passeio despretensioso. Então, me fui. Já calcorreando pelas charmosas calçadas do tal bairro, um som familiar me alcançou. Uma música que eu sabia que conhecia, mas levei algum tempo para reconhecer. Mais ou menos como quando você topa com um conhecido na rua e por um segundo não se lembra de onde o conhece. Foi o prazo de entrar a voz de João Gilberto, cobrindo o solo de saxofone: - Um cantinho, um violão... Era Corcovado, clássico

Os Meus Amigos de Infância

Dia desses um colega de trabalho me perguntou se eu conversava frequentemente com meus amigos do Brasil. Respondi que sim, que ainda mantinha certo contato, porém muito menos do que eu gostaria. Ele emendou outra pergunta: e com seus amigos de infância? Quem me conhece sabe que já morei em muitos lugares diferentes, permanecendo em média por quatro anos em cada cidade. No início carregado pelo meu pai e suas curvas ora na vida pessoal ora na vida profissional. Depois, bem mais tarde, por decisão minha mesmo. O fato é que, me mudando tanto e desde muito cedo, não preservei nenhuma amizade de infância. Nenhum amigo dos tempos de escola ou do futebol de rua. Desde pequeno, sempre que criava um vínculo mais próximo com alguém ou com uma turma, uma nova mudança se anunciava e, pronto, era isso, bye bye. Mais uma história de amizade ficava pra trás. Em tempos de amizade virtual, posso dizer que tenho alguns desses amigos da época de escola nas minhas redes sociais, ou seja, até consigo v

A Amazônia Vive

Na noite de ontem, em um discurso emocionado durante a abertura do Rock in Rio, Gisele Bündchen lançou o projeto mundial Believe Earth/Amazônia Live, que visa dar destaque sobre questões ambientais, como a proteção da floresta amazônica. Não é de hoje que Gisele batalha em defesa da Amazônia, mas a questão ganhou mais evidência devido à posição do presidente Michel Temer de sustentar projetos de redução de áreas protegidas e a crescente argumentação de Gisele contra ele. Recentemente fiz uma viagem à Amazônia e posso dizer que me identifico com a causa da modelo. O choro dela é também o meu. Apesar de breve, a viagem se provou transformadora e imensa em seus significados. E aqui faço um relato do que vi e vivi. Relato que é também um convite para que mais pessoas tentem conhecer e ver a floresta com seus próprios olhos. A VIAGEM Aos poucos, o barco vai enchendo. De pessoas e coisas e bichos. Me sinto um completo estranho ali, ao lado dos ribeirinhos, das galinhas, dos bujões de gá

Barata Ribeiro, 716

Tem aquele filme do Woody Allen em que o protagonista, durante uma viagem a Paris, se lança solitário por passeios noturnos pela cidade-luz e descobre, ao badalar da meia-noite, ser transportado para a década de 1920, época que considera a melhor de todas. Ao embarcar nessa viagem ao passado, ele se encontra com artistas e intelectuais que admira e com os quais já havia tido contato pelos livros e demais obras, já que um encontro pessoal, até então, era impossível devido ao muro do tempo. A viagem é regada a festas com F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e Salvador Dali, entre outros. Gostaria de ser esse personagem de Woody Allen e viver uma experiência parecida. Mas, sem dúvida, meu destino seria outro: Rio de Janeiro, início da década de 1960. Mais precisamente, a Rua Barata Ribeiro, bairro de Copacabana. Número 716. Para ser ainda mais exato: o apartamento de Domingos de Oliveira. Explico. Assisti há alguns dias o último filme do diretor carioca, o excelente Barata Ribeiro

Sobre Senhoras e Cartas

No prédio onde moro trabalham duas senhoras muito simpáticas. Uma delas aprendeu com uma vizinha minha, também brasileira e que mora aqui há mais tempo, que nós brasileiros nos cumprimentamos com abraços e beijos, diferente de quase todos os canadenses que se limitam a um “olá, como você está?”, muitas vezes evitando qualquer contato físico ou se restringindo a um aperto de mãos. Descobrir que eu e minha esposa também somos brasileiros bastou pra que essa senhora passasse a fazer questão de nos cumprimentar com abraços e beijos calorosos. Me ocorre agora que, talvez, grande parte desse jeito mais frio dos canadenses seja por desconhecimento a uma forma diferente de comportamento. Para essa senhora, pelo menos, pareceu uma descoberta feliz saber que poderia receber um abraço apertado ao invés de um cumprimento protocolar. A outra senhora também é muito simpática. E tagarela. Frequentemente a encontro nos corredores do prédio, a cumprimento e, se eu der espaço, ela engata alguma hist

O Vento Quente das Montanhas

No filme O Regresso, aquele que ficou famoso pela cena do urso devorando o Leonardo di Caprio, tem outra cena em que o personagem de Leo observa uma avalanche descendo de uma montanha distante. Tenho duas curiosidades sobre essa passagem. A primeira é que o diretor do longa, o mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu, criou a avalanche de verdade para gravar a cena, ao invés de produzi-la em estúdio com efeitos especiais. Usando alguns explosivos ele fez um mundo de neve despencar montanha abaixo, tornando a cena bem mais realista e... perigosa, talvez. A segunda curiosidade é que a montanha em questão fica bem aqui, no quintal da minha casa. Ou quase isso. Calgary se localiza na província de Alberta, na região das Montanhas Rochosas do Canadá. A tal cena foi gravada na Fortress Mountain, na mesma província onde atualmente habito. Agora me ocorre outro pensamento. O Regresso, justamente esse filme que teve algumas cenas gravadas em Alberta, deu o primeiro Oscar de melhor ator ao Di Caprio

As ruas daqui e as ruas de lá

Aqui no Canadá voltei a caminhar. Não exatamente por exercício físico nem para me manter ativo. Nada disso. Voltei a fazer das minhas pernas meu principal meio de transporte. Olho no mapa. Se o local onde preciso ir está a menos de cinco quilômetros de distância, calço as botas e me lanço nas calçadas cobertas de gelo. Só se for muito mais distante que isso que recorro ao transporte público. Hoje, por exemplo, caminhei treze quadras para ir e treze quadras para voltar do meu destino. Estava um clima agradável mais cedo, chegou a fazer 5º, eu acho, então cumpri a tarefa sem maiores apertos. Isso é outra coisa curiosa. Tenho observado que o corpo se adapta rápido ao seu novo ambiente. Até pouco tempo, residindo em uma das cidades mais quentes do Brasil, com 5º provavelmente eu estaria usando todo meu estoque de casacos e não sairia de dentro da coberta, se tivesse escolha. Aqui, onde no inverno as temperaturas normalmente estão abaixo de zero e não raro atingem -30, 5º graus é quase

Estou bem e vivo

Tem uma frase do Domingos de Oliveira que diz assim: “a verdadeira liberdade de um homem não é seguir seus impulsos, é seguir suas escolhas”. Vir para o Canadá não foi um impulso meu, na verdade nem poderia. É algo que precisa ser minimamente planejado e depois, para se colocar em prática, existem algumas obrigações burocráticas – passaporte, visto, etc. Ou seja, foi realmente uma escolha. Podendo seguir essa escolha, penso que exerci minha verdadeira liberdade, como diz Domingos. Estou muito feliz pela repercussão do meu último texto sobre o impacto inicial na chegada por aqui. Foram tantos compartilhamentos, comentários e, principalmente, trocas de experiências que me emocionaram. Escrever, para mim, sempre foi necessariamente um ato sem pudor. Penso que para alguém se traduzir em palavras é preciso antes se despir. Com o último texto não foi diferente e acho que esse foi o principal motivo por tantas pessoas se identificarem e espalharem o texto por aí. Li cada um dos comentári

Saí do Brasil. E morri.

Estou morando no Canadá há quase um mês. Minha esposa foi aprovada em uma seleção para fazer seu doutorado na cidade de Calgary, a terceira maior do país, e resolvemos vir assim, de mala e cuia. Calgary é um lugar curioso, é chamada pelos íntimos de cowtown, cidade das vacas em uma tradução literal, termo usado para um lugar com fazendas em seus arredores, com um clima mais interiorano, talvez. Só para se ter ideia, o maior rodeio do mundo acontece aqui, então realmente é um lugar de Cowboys e Cowgirls. Mas pretendo contar mais da cidade e da vida aqui depois. Quero focar agora na experiência de se fazer as malas e sair do seu país, seja ele qual for. Apesar de ser pouco tempo de experiência, já pude comprovar algumas impressões que tinha sobre a mudança para o exterior. O que acontece quando você faz as malas e embarca no avião com destino a um lugar completamente diferente do seu? Você morre. Isso mesmo, você morre. Eu morri quando vim. Começa pelo fato de normalmente, nesse tip