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É Pecado Ainda Gostar de Woody Allen?


Extremistas de plantão e justiceiros sociais em geral hão de erguer seus braços em protestos contra mim. Parentes e amigos hão de me bloquear nas redes sociais. Cogito até que ocorra uma demissão. A minha, no caso. Mesmo assim, assumindo todas essas possíveis consequências, farei a declaração a seguir:

- Assistirei ao mais recente filme do Woody Allen.

Pronto. Aposto que um basto número de leitores acaba de abandonar o texto para procurar algo mais útil a se fazer, como falar mal de indolentes blogueiros na internet, a começar por este que vos escreve. Mas sim, afirmo estoicamente que assistirei também ao próximo filme que Woody Allen fizer. Além disso, estou cogitando reservar um tempo livre para rever toda a sua filmografia. Se você é um leitor menos radical e decidiu por percorrer seus olhos até essas mal traçadas findarem, explico abaixo minhas razões.

Não vou mentir. A polêmica em voga nos últimos dias envolvendo o diretor me afetou. Sempre fui fã de Woody Allen e, quando tomado pela notícia de que sua filha adotiva, Dylan Farrow, havia mais uma vez trazido à tona a história de que foi abusada sexualmente por ele quando tinha por volta de sete anos de idade, fiquei horrorizado. E absolutamente a fim de me desfazer de tudo o que remetia ao diretor aqui em casa – isto é, alguns livros e DVDs. Porém, contive a ação impetuosa e me detive algum tempo a pesquisar mais sobre os fatos.

Comecei lendo o relato completo de Dylan Farrow seguido pela declaração de defesa publicada nas redes sociais de Woody Allen. Após isso, li e reli infinitos textos de colegas, amigos, colunas de jornalistas relevantes, colunas de jornalistas irrelevantes e, por fim, pensei muito. Após refletir exaustivamente, cheguei à conclusão... nenhuma. Honestamente, não sei exatamente o que pensar sobre isso tudo. E me sinto um verdadeiro ET, afinal nos tempos atuais você exprimir opinião sobre tudo – tudo mesmo – é tão indispensável quanto ter um CPF.

O que me deixa em cima do muro é o fato de o caso em si ser bastante nebuloso. O suposto abuso remonta a 1992. Woody Allen havia se separado de Mia Farrow e já iniciara sua relação com Soon-Yi, filha adotiva de Mia e de seu marido anterior, André Previn. Sobre a relação de Allen com Soon-Yi, por mais que me cause estranhamento, sou obrigado a admitir que se trata de uma relação sólida, já que os dois permanecem juntos até hoje. Pois bem, Mia separou-se de Allen naturalmente tomada de raiva e, nessa época, foi que se deu a famosa acusação. A alegação é de que, após uma visita de Allen às crianças, Dylan contou à Mia que tinha sido abusada por ele.

O caso foi investigado por seis meses por uma unidade especial de abuso de crianças de Connecticut. Allen foi submetido a extensos interrogatórios e até passou por um detector de mentiras. A investigação concluiu que “Dylan não foi abusada sexualmente por Allen”. Duas hipóteses foram apontadas pelos investigadores. Primeira: Dylan estava confusa e pode ter inventado o abuso, fruto de uma possível vulnerabilidade emocional, devido ao ambiente familiar que era absolutamente perturbado naquele momento. Segunda: Dylan foi influenciada e orientada por Mia para fazer a acusação. No fim, a conclusão foi de que a hipótese mais provável era, na verdade, uma combinação das duas.

Ainda houve outra investigação, esta conduzida pelos Serviços Sociais do Estado de Nova Iorque, que durou 14 meses. Conclusão: “Não foi encontrada nenhuma prova credível de que a criança nomeada neste relatório tenha sido abusada ou maltratada”. Ou seja, Woody Allen nunca foi oficialmente acusado de abuso. Depois de duas longas investigações, em diferentes estados, com diferentes peritos, concluiu-se não haver fundamento para o processo. Ou seja, até que se prove o contrário, do ponto de vista legal, Woody Allen sempre foi inocente neste caso. Não me sinto confortável de assumir a posição de juiz e condenador.

O que me faz, digamos, tender um pouco mais a considerar Woody Allen inocente do que julgá-lo culpado, é um raciocínio simples – além, claro, das investigações que citei. O primeiro filme dirigido por Allen data de 1966, portanto, há 52 anos. Não parece estranho que ao longo dessas cinco décadas, até hoje, não tenha existido relato de atrizes/atores/produtores acusando Allen de agir de forma abusiva/agressiva durante o trabalho? A mim, parece. Allen não está no mesmo pacote de Harvey Weinstein e Kevin Spacey, contra os quais jorraram acusações de assédio de uma vez e que não resta dúvida de que eram sim abusadores sistemáticos.

Vejo com bons olhos a militância de Natalia Portman e Oprah Winfrey e os movimentos Time’s Up! e #MeToo, acho de extrema relevância que se grite e se revolte contra esse sistema de abuso que impera há tanto tempo, não só em Hollywood mas em todo canto do planeta. É importante ressaltar, pois os tempos atuais são complicados. Se você diz que apoia fulano, que está sendo acusado – ainda não foi sequer julgado – de algum crime, você se torna automaticamente criminoso. Temo então que eu dizer que ainda sou fã de um cineasta acusado de abuso me coloque, para alguns, na posição de abusador ou militante anti-feminismo, algo assim. Acho que uma pitada de radicalismo se faz necessária neste caso, mas sem perdermos o critério.

Li uma colega comentando que atualmente não analisa as acusações, se a mina grita contra um homem, automaticamente essa minha colega sai em defesa da mina e apedreja o macho acusado, gritando nas redes sociais. Nessas horas me pergunto: e se amanhã alguém levantar da cama com vontade de me acusar de assédio, só por diversão? Normalmente eu ficaria tranquilo e confiante no trabalho da justiça, afinal, quem não deve não teme. Mas e se para uma parte das pessoas o que uma mulher diz, se for contra qualquer homem, está acima da justiça e é automaticamente validada, o que me restaria nesse caso? Provavelmente perderia o emprego, a mulher, a família e teria que me isolar nas montanhas. Digo então que a minha opção em não acusar Woody Allen e não comemorar o que estão dizendo ser seu fim de carreira é também uma ação de empatia. Palavra que boa parte das pessoas não deve nem saber mais o que significa.

Respondendo, então, à pergunta do início. Não sei se é pecado ainda gostar de Woody Allen, mas certamente não é visto com os melhores olhos do mundo você afirmar isso abertamente. Triste. Ouso fazer uma adaptação de Che Guevara sobre esse episódio, dizendo: há de se revoltar, sem perder a serenidade jamais.

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